(Crônica publicada no Blog Poetice Carioca - 2006)
Havia algum tempo em que eu e a poetisa Priscila Andrade planejávamos nos encontrar outra vez.
Assim, poderíamos destilar venenos, exorcizar demônios e até falar de poesia - a contragosto, claro.
Mas sempre arrumávamos uma desculpa e o encontro não acontecia.
Ontem porém, resolvemos priorizar o caos e marcamos o famigerado reencontro no centro do Rio, junto ao Cine Odeon, na Cinelândia.
De comum acordo optamos por levar uma outra pessoa: o cineasta e fotógrafo Robson Bolsoni.
Assim, confortavelmente acomodada num bar sofrível, essa tríade bradou e gargalhou por horas à fio sobre poesia, sexo, amor, traição e dinheiro.
Robson Bolsoni é um jovem corajoso, em ebulição e segundo a avaliação de Pit, muito "gostosinho". Priscila é uma mulher muito talentosa, direta, politicamente incorreta e ácida.
Ela lembrou que há pouco tempo, nós fomos "acusados" de termos um romance, o que nunca ocorreu. Pelo menos ninguém lembrava disso ter ocorrido. Uma calúnia, poderíamos dizer.
A conversa ia fluindo razoavelmente bem, entre pasteizinhos de conteúdo impublicável, baratas simpáticas, conhaques honestos, chopps de caráter discutível e salutares cervejas Caracú. Sim, cerveja Caracú, afinal nosso jovem cineasta é um homem muito macho. E macho que é macho mesmo, toma "Caracú". E com vidro. Ao abrir a garrafa de cerveja o garçom não percebe que o gargalo quebrou e que um pedaço de vidro caiu no copo de Bolsoni. Ele bebe, mastiga o objeto estranho, e diz estupefato:
- Cacete, olha isso!
Sua boca sangra. O garçom, por sua vez, diz: "É, de vez em quando isso acontece (!?). Simplesmente surreal!
Priscila num ato quase heroico, entrega seu copo de conhaque ao gostosinho e berra:
- Toma tudo, anda! Toma tudo e agora. Bebe, essa porra!
Pensei: Cicatrizante? Anestésico? Anti-bactericida? Anti-coagulante?
Lembrei que muito do que bebemos hoje em dia, no passado era usado como remédio, vide historia do gim. Ou, vide bula.
Então, cortou? Sangrou? Já sabe: "Caracú" com "Domeq"!
Apesar do contratempo, nosso papo seguiu para lá de frenético. De uma hora para a outra, uma sirene começa a soar alto dentro do bar. Sim, isso mesmo. Uma sirene tocando dentro do bar.
Percebemos então, que todas as mesas ao redor foram guardadas, o chão varrido e que os funcionários do bar - com as "mãos nas cadeiras", nos olhavam como que perguntassem: "Os artistas aí vão demorar muito tempo para irem embora?"
Pensei em falar com o gerente, mas não deu tempo, pois Priscila Andrade - em outro rompante alucinado, chamou até a nossa mesa, o quase simpático "Otenildes" (sim, o nome é esse mesmo!).
- Tá vendo este conhaque, aqui? Nós só vamos embora depois de acabar o último gole - brada ela, ávida por seleuma de maior proporção.
Coitado do Otenildes. Cansado de sua árdua tarefa de trabalhar naquele dia de finados, ainda tem que "aturar" esses três insuportáveis que não têm nada mais o que fazer.
Depois de muito resmungar decidimos ir embora. Destino: a casa de Priscila.No meio do caminho desistimos, pois no dia seguinte bem cedo, eu e Robson teríamos que dar continuidade ao projeto "Quadra a Quadro". Foi o suficiente para se rebelar, e nos chamar de "bundões". Em retaliação nos mandamos para a Lapa afim de desova-la. Ela curtiu.
Entre abraços e xingamentos nos despedimos e combinamos de nunca mais nos encontrar, pelo menos naquele barzinho execrável. Priscila ficou na Lapa. Eu e Bolsoni para variar, mudamos de planos e fomos parar em Copacabana, Ipanema, Leblon, Barra, etc. Outras imagens, outros roteiros, outras paradas, outras histórias, outras bizarrices e outras poesias.
Só faltou Priscila Andrade, mas ela deve ter se divertido também. Mas isso você talvez só saiba lá no blog dela.
http://dedodemoca.blogspot.com